A cidade de Denver, capital do estado norte-americano do Colorado, está construindo o que é provavelmente o maior projeto de recuperação de calor de esgoto da América do Norte. A informação é da Enwave, uma empresa canadense de energia que deverá operar o sistema. Segundo a organização independente de mídia NPR, o projeto ilustra os crescentes esforços no país em buscar energia limpa em tempos de mudanças climáticas.
O Departamento de Energia dos EUA estima que os americanos jogam pelo ralo todos os anos energia suficiente para abastecer cerca de 30 milhões de residências. As fontes inusitadas são itens de uso diário dentro das casas, como as águas residuais de chuveiros quentes, máquinas de lavar e pias. A evolução da tecnologia, no entanto, está facilitando o aproveitamento dessa água quente.
Nos próximos anos, uma reforma estimada em US$ 1 bilhão transformará um local de 250 acres, sede do National Western Stock Show and Rodeo, em um centro de arte, educação e agricultura. O centro remodelado incluirá cerca 90 mil metros quadrados de um novo espaço interno, todo ele aquecido e resfriado com energia dos canos de esgoto instalados abaixo.
Brad Buchanan, o CEO que lidera a reforma, afirma que o projeto já mudou a forma como ele pensa sobre a melhor localização para imóveis. Grandes peças de infraestrutura de esgoto repeliram o desenvolvimento no passado, mas agora ele imagina que eles podem ser procurados como uma forma de economizar custos de energia e evitar as emissões de gases de efeito estufa. “Será interessante ver se as pessoas começarão a olhar não apenas onde as linhas de metrô ou boas escolas estão localizadas, mas qual é a proximidade de uma grande linha de esgoto sanitário”, prevê Buchanan.
Bomba de calor
A tecnologia para coletar o calor do esgoto não é complicada. No projeto do Colorado, as equipes de construção já concluíram um poço que expõe a linha de esgoto principal. O esgoto no interior permanece em temperatura amena, de 12º a 23º graus centígrados o ano todo, não importa o tempo no exterior. E essa temperatura consistente pode ser aproveitada para aquecer e resfriar edifícios acima do solo.
A chave é uma bomba de calor enorme, que ficará alojada em uma planta central da estrutura. A inovação funciona como um aparelho de ar-condicionado reversível. No inverno, ele vai transferir energia do esgoto para um circuito de água limpa conectando os prédios, adicionando calor aos espaços internos. E o processo pode ser invertido para manter as coisas frescas no verão. Para responder a uma pergunta óbvia: o efluente bruto nunca é exposto ao ar, então as pessoas que ocupam os prédios não serão atingidas por ondas de fedor de esgoto.
“Mineração de calor”
Shanti Pless, engenheira de pesquisa do Laboratório Nacional de Energia Renovável, em Golden, Colorado, afirma que a tecnologia abre um vasto mundo de “mineração de calor renovável”. Segundo ela, a recuperação de calor do esgoto geralmente funciona melhor como o coração de um sistema de energia do tamanho de um distrito, no qual uma usina central fornece energia para todo um bairro ou complexo de escritórios.
Se o uso da energia do esgoto aumentar, uma razão podem ser os benefícios potenciais para as áreas de tratamento de águas residuais. Isso porque o esgoto quente causa alguns problemas ambientais. Em Denver, as águas residuais costumam ser mais quentes do que o rio South Platte, seu destino final depois de passar por uma estação de tratamento. Essa “poluição térmica” pode colocar em perigo as plantas nativas e a vida selvagem.
Mickey Conway, gerente distrital da Metro Wastewater, afirma que seria possível construir torres de resfriamento para amenizar a temperatura do esgoto tratado, mas o projeto do National Western Centre poderia apresentar uma alternativa melhor. Novas casas e edifícios podem coletar esse calor, resfriando a água e, ao mesmo tempo, evitando as emissões que causam o aquecimento global e reduzindo potencialmente as contas de energia. “É uma espécie de tempestade perfeita de situações em que todos ganham”, diz Conway.
Enquanto isso, o National Western Centre agiu para proteger seu suprimento no caso de uma espécie de corrida do ouro pelo calor do esgoto. A cidade e o condado de Denver, um parceiro no projeto, exerceram uma opção de três anos para acesso exclusivo à energia dentro dos dutos que percorrem o campus. Buchanan, CEO do projeto, disse que se trata de um novo tipo de recurso ambiental. Em vez de direitos minerais ou direitos de água, seu desenvolvimento detém direitos de energia térmica de esgoto. “Nós o protegemos porque contamos com essa energia para sempre”, disse.
Conteúdo publicado originalmente em: NPR