Contratos futuros de água podem ajudar agricultores da Califórnia

A Califórnia é um rico estado norte-americano da costa Oeste que parece produzir quase tudo em termos de alimentos, de amêndoas a abobrinhas, mas o maior produtor agrícola dos EUA sobre com a escassez de uma mercadoria preciosa: a água. Um artigo do site especializado em finanças The Street aborda exatamente esse relacionamento complicado do estado com o recurso natural.

Nos últimos anos, severas secas e incêndios florestais no oeste dos Estados Unidos, combinados com as preocupações com as mudanças climáticas, intensificaram o debate sobre como atender às necessidades dos produtores de frutas e vegetais da Califórnia, residentes nas grandes cidades e arredores, como Los Angeles e São Francisco.

Segundo um relatório recente da WestWater Research, a água da Califórnia tornou-se um “mercado” avaliado em US$ 1,1 bilhão e que que evoluiu a ponto de poder se tornar um produto financeiro a ser negociado em bolsa. Um contrato de futuros de água pode, por exemplo, ajudar os agricultores e outras partes interessadas a obter maior visibilidade das condições de mercado e a gerenciar melhor seus riscos.

Em dezembro de 2020, o CME Group lançou um contrato futuro baseado no Nasdaq Veles California Water Index (código H2O). O índice rastreia o preço dos contratos de arrendamento e venda de direitos sobre a água nas cinco maiores e mais negociadas regiões da Califórnia.

Roland Fumasi, chefe de pesquisa de alimentos e agronegócios do RaboBank North America, afirma que as mudanças recentes no setor agrícola da Califórnia ressaltam a necessidade de maior transparência de preços e gerenciamento de risco no mercado de água. No Vale Central, por exemplo, muitos produtores mudaram de safras “anuais” para plantações “permanentes” – árvores e vinhas que requerem água o ano todo.

Dificuldade histórica

A reportagem recua no tempo para explicar o atual estágio. A história da água na Califórnia remonta a décadas antes de o estado aderir à União, em 1850. Em 1769, os primeiros assentamentos espanhóis permanentes foram estabelecidos e os direitos da água foram implementados de acordo com a lei espanhola, segundo o California Water Impact Network. Quando a “corrida do ouro começou”, por volta de 1848, o crescimento do estado foi alavancado.

Os californianos passaram grande parte de seus primeiros 170 anos lutando por água, enquanto fazendeiros, mineradores, municípios, grupos ambientais e até mesmo outros estados lutavam em uma miríade de casos em cortes estaduais, federais e Supremas dos Estados Unidos. Enquanto isso, ao longo do tempo, o estado desenvolveu uma rede complexa e extensa de estruturas regulatórias e sistemas de gestão da água, incluindo pelo menos quatro tipos de “direitos à água”. Em 2014, a Califórnia se tornou o último estado do Oeste a regular as águas subterrâneas, depois que o governador Jerry Brown assinou uma legislação criando agências locais para supervisionar o bombeamento de águas subterrâneas.

Segundo Ellen Hanak, vice-presidente e pesquisadora sênior do Public Policy Institute da Califórnia, e diretora do PPIC Water Policy Center, a longa tensão sobre a água reflete em parte o tamanho e a complexidade do sistema. “Temos o maior mercado de água do país e também um sistema complicado que requer mover a água por uma rede de rios, aquedutos e canais”, disse Hanak em entrevista. Segundo ela, um processo de aprovação do uso envolve, às vezes, interesses e objetivos conflitantes. E há um equilíbrio delicado entre tornar o comércio de água o mais fácil e eficiente possível, que apoia a economia, ao mesmo tempo em que protege o meio ambiente e não prejudica outras partes.

Um relatório do PPIC afirma que, nos últimos dois séculos, a Califórnia tentou se adaptar a esses desafios por meio de grandes mudanças na gestão da água. O estudo diz que instituições, leis e tecnologias são agora radicalmente diferentes daquelas trazidas pelos primeiros colonizadores e que as adaptações e as mudanças políticas, econômicas, tecnológicas e sociais exacerbaram os conflitos atuais na gestão da água.

A Califórnia obtém sua água de algumas fontes primárias, incluindo chuvas e neve derretida das montanhas de Sierra Nevada e do Rio Colorado. Todas essas fontes podem ser comprometidas por mudanças climáticas de longo prazo, dizem os especialistas.

Para os agricultores, produtores e pecuaristas da Califórnia – o estado produz mais de US $ 50 bilhões em produtos agrícolas por ano – uma preocupação mais imediata é outro período de seca. A última começou em 2020, tornando-se a quarta seca nas últimas duas décadas no estado.

Hedge

A seca pode forçar os produtores a extrair das “margens” de água subterrânea, ou terem de recorrer aos mercados de água “spot” (à vista) – um risco potencialmente grande, dada a incerteza sobre o abastecimento e a recente volatilidade nos preços das commodities em geral.

Um contrato de futuros com base na água viável pode ser uma ferramenta valiosa para ajudar a proteger os produtores a gerenciar o risco de preço associado à escassez de água em situações como esta. “Quem está no mercado spot este ano está descobrindo que a água disponível é bastante fragmentada”, diz Matt Payne, diretor da WestWater Research. “É difícil encontrar um grande ‘bloco’ de água. Muitos produtores precisam fazer três, quatro, cinco negócios para adquirir a quantidade de água de que precisam, e alguns dos preços localizados em certos mercados são extremamente altos”.

Com seu novo contrato futuro de água, o CME Group visa fornecer um mecanismo baseado em índice, financeiramente liquidado (ou seja, sem troca física de água) que reflete com precisão a dinâmica de oferta e demanda do mercado da Califórnia e ajuda os participantes a protegerem sua exposição e riscos. Um produtor de vegetais no Vale Central, por exemplo, pode aplicar em futuros de água de maneira semelhante à que um agricultor de milho em Iowa usa futuros de grãos e soja como hedge ou sob a forma de seguro.

Num exemplo simplificado, um produtor de vegetais que precisa de uma certa quantidade de água em dois ou três meses pode comprar, ou “operar comprado”, futuros de NQH20 de julho ou setembro a US$ 900 por acre. Se os futuros da água subirem para US$ 950, o agricultor poderá vender esse contrato com um lucro de US$ 50, potencialmente compensando os preços spot da água mais altos. Se os futuros caírem para US$ 850, em meio a um aumento no suprimento de água, a posição futura pode sofrer prejuízo, mas o agricultor ainda pode se beneficiar com água mais barata nos mercados à vista.

Para Ellen Hanak, um contrato de futuros viável como o da CME pode ajudar de algumas maneiras, como no gerenciamento de riscos financeiros de secas, mas melhorar os fundamentos mais amplos do mercado físico de água real exigirá uma combinação de regulamentação mais inteligente e investimentos em infraestrutura. “Precisamos ter certeza de que as pessoas não estão negociando água física que não seja a delas e temos que garantir que haja água suficiente nos rios para os peixes e outras formas de vida aquática. Precisamos ter um sistema em que as pessoas negociem apenas a água que realmente usam e se certifiquem de que estão fazendo isso de forma transparente e responsável”.

Conteúdo publicado originalmente em: The Street

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