Explicando a crise mundial da água: do excesso à escassez

A humanidade tem enfrentado um desafio crescente de excesso de água em alguns lugares e água insuficiente em outros. 

Isso está sendo impulsionado não apenas pelas mudanças climáticas, mas também pelo crescimento populacional e econômico, alertam os especialistas. Além da óbvia má gestão dos recursos hídricos.

Reportagem da revista National Geographic utiliza o exemplo recente da crise hídrica enfrentada pela Cidade do Cabo, na África do Sul, para ilustrar esse desfio global.

Após um longo período de seca que durou cerca de três, a cidade ficou meses na iminência de decretar o ‘dia zero’. Essa seria a data na qual pelo menos um milhão de pessoas ficariam sem água encanada.

Isso aconteceu em 2018, quando a Cidade do Cabo já enfrentava o problema com um severo racionamento. 

Naquela época, o consumo individual estava restrito a 50 litros diários por pessoa. Para colocar isso em perspectiva, um cidadão americano médio usa cerca de 375 litros por dia.

As recomendações oficiais eram de que ninguém deveria jogar água potável no vaso sanitário ou tomar banho mais do que duas vezes por semana.

“Pico da água”

O que aconteceu na cidade sul-africana tem sido experimentado em muitos lugares do mundo. A região teria atingido o “pico da água”, ou o limite de quanta água pode ser razoavelmente retirada da área.

Cientistas alegam que a mudança climática é a principal causadora disso. Ela interrompeu o ciclo hidrológico da Terra, mudando quando, onde e quanta chuva cai. 

Claro que isso tornou o planejamento da gestão da água muito mais desafiador. No entanto, os sistemas de água foram em grande parte construídos com base no clima mais estável do passado.

Exemplos em outros locais comprovam isso. A cidade de São Paulo, com cerca de 20 milhões de habitantes, enfrentou seu próprio ‘dia zero’ em 2015. 

Ou seja, foi obrigada a desligar o abastecimento de água 12 horas por dia, forçando o fechamento de muitas empresas e indústrias. 

Em 2008, Barcelona teve que importar navios-tanque cheios de água doce da França. 

Desafio Global do Clima

Quatorze das 20 megacidades do mundo estão enfrentando escassez de água ou condições de seca. 

Cerca de quatro bilhões de pessoas já vivem em regiões que experimentam grave estresse hídrico por pelo menos um mês do ano, de acordo com um estudo de 2016 na revista Science Advances. 

Quase metade dessas pessoas vivem na Índia e na China. E com o aumento da população, esse estresse só aumentará.

Dados de desastres compilados pela ONU. mostram claramente que as inundações também estão piorando. Estão acontecendo com mais frequência, especialmente em regiões costeiras e vales de rios, e afetando mais pessoas. 

De todos os grandes desastres no mundo entre 1995 e 2015, 90% foram eventos relacionados ao clima, como inundações, tempestades, ondas de calor e secas. 

As inundações foram responsáveis ​​por mais da metade de todos os desastres relacionados ao clima, afetando 2,3 bilhões de pessoas e matando 157 mil num período de 20 anos. 

Em 2017, os custos de condições climáticas extremas nos EUA atingiram o recorde de US$ 300 bilhões. Além disso, esses eventos deslocaram mais de um milhão de americanos de suas casas.

“Pegada Hídrica”

Ainda que o aumento da população e a consequente necessidade de água para uso doméstico seja uma preocupação constante, isso representa apenas 3% do consumo total.

Arjen Hoekstra, professor de gestão da água na Universidade de Twente, na Holanda, destaca que a agricultura usa entre 80% a 90% de toda a água consumida globalmente. Esse consumo é seguido pela produção de energia e pelo uso da indústria.

Para entender e ajudar a combater isso, Hoekstra criou o conceito de “pegada hídrica”. 

A região da Cidade do Cabo, por exemplo, é o coração da região vinícola da África do Sul. Essa região exportou 428,5 milhões de litros de vinho em 2016 para a Europa e os EUA. 

No entanto, esta exportação representa uma quantidade muito maior de água que foi usada para cultivar e processar as uvas. Grande parte dessa água não está mais disponível para consumo humano.

O professor e seus colegas da Water Footprint Network descobriram que é necessário entre 100 a 200 litros de água para cultivar as uvas e processá-las em uma taça de vinho de 125 ml.

Em outras palavras, a quantidade líquida de água usada para produzir algo, seja um limão, um celular ou um copo de vinho, é a “pegada hídrica” do produto. 

A maior parte da água usada para fazer um copo de vinho típico é perdida por evaporação, com uma pequena quantidade armazenada nas uvas. O restante é impróprio para reaproveitamento. 

Uma garrafa de vinho típica de 750 ml tem uma “pegada hídrica” de quase 750 litros. Essa é a água que se perde para a região.

A “pegada hídrica” de uma laranja é em média de 80 litros. Usando essa base, as exportações de cítricos da África do Sul em 2016 consumiram 115 bilhões de litros de água da província do Cabo.

A água também é necessária para fazer a maioria das coisas: carros, móveis, livros, eletrônicos, edifícios, jóias, brinquedos e até eletricidade. Essa água, que muitas vezes passa despercebida, costuma ser chamada de ‘água virtual’. 

Outros grandes países com populações crescentes, como China e Índia, também exportam volumes impressionantes de ‘água virtual’. Muitas vezes, enfrentando problemas de escassez de água consideráveis ​​em casa.

Buscando Soluções

Todas essas exportações poderiam ser produzidas usando muito menos água, diz Hoekstra. Tudo começa com o que ele chama de estratégia de gestão de água mais importante: produzir coisas no lugar certo. 

Em outras palavras, safras de uso intensivo de água, como arroz e algodão, devem ser cultivadas em regiões ricas em água.

A costeira Cidade do Cabo espera resolver seu problema obtendo uma nova fonte de água: o oceano. E está construindo suas primeiras usinas de dessalinização. São projetos caros e que consomem muita energia. 

Uma solução mais econômica seria mudar para culturas menos intensivas em água e reutilizar águas residuais tratadas. Atualmente, a Cidade do Cabo reutiliza apenas 5% dessas águas tratadas.

Israel caminha no sentido contrário, reutilizando 85% dessas águas. O país também eliminou plantações que exigem muita água, como o algodão. E fez grandes melhorias na eficiência hídrica para liberar mais água para o crescimento populacional.

A Califórnia, que recentemente sofreu por quatro anos de seca e restrições de água, também precisa mudar sua produção agrícola para plantações que usam menos água.

E o estado poderia aumentar sua reutilização de águas residuais dos atuais 15%, usando o excedente para recarregar aquíferos esgotados e usar em plantações.

Esse conteúdo foi publicado originalmente em: NatGeo

Compartilhe

Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on whatsapp
WhatsApp
O que você procura?
Iniciativas recentes
Redes Sociais
Receba as novidades do Observatório em seu e-mail

Iniciativas Relacionadas

Cadastre-se e receba as atualizações do SDG