O que os povos indígenas podem ensinar sobre conservação da natureza

Estão marcadas para este ano na China negociações para traçar um acordo global para manter intactas áreas naturais como florestas antigas e áreas úmidas que nutrem a biodiversidade, captam carbono e filtram a água. 

Reportagem do The New York Times sugere que as dezenas de países envolvidos nesse esforço para proteger 30% da terra e da água do planeta deveriam ouvir os povos indígenas. Eles muitas vezes estão entre os administradores mais eficazes da natureza.

Comunidades indígenas e outros grupos, lembra o texto, não recorrem a cercas para se separarem da natureza e dão seu próprio espaço aos animais, plantas e seus habitats, gerando seu sustento da natureza. A chave para o seu sucesso, mostram pesquisas, é nunca extrair em excesso.

Na Amazônia brasileira, por exemplo, povos indígenas colocam seus corpos em risco para proteger terras ameaçadas por madeireiros e fazendeiros. No Canadá, um grupo de Primeiras Nações criou um enorme parque para bloquear as atividades de mineração. Em Papua Nova Guiné, as comunidades pesqueiras estabeleceram áreas onde a pesca é proibida. 

Outro exemplo é a Guatemala, onde os habitantes de uma vasta reserva natural cultivam madeira de alto valor em pequenas quantidades. Na verdade, parte dessa madeira pode acabar nas novas ciclovias da Ponte do Brooklyn, em Nova York.

“Se você pretende salvar apenas insetos e animais, mas não os povos indígenas, você está enfrentando uma grande contradição”, diz José Gregorio Díaz Mirabal, que chefia a Coordenadoria de Organizações Indígenas da Bacia Amazônica, grupo formado por várias organizações indígenas. “Somos um único ecossistema, afirma.”

A natureza é mais saudável nas terras administradas ou pertencentes aos povos indígenas, o equivalente a mais de um quarto das terras do planeta, de acordo com vários estudos científicos. 

As terras administradas por indígenas no Brasil, Canadá e Austrália têm o mesmo nível de biodiversidade, ou até mais, do que reservas criadas pelos governos federais ou outras áreas de conservação, descobriram os pesquisadores.

Esses dados mostram um contraste drástico com a política de conservação, cuja história controversa está repleta de casos em que as pessoas foram forçadas a abandonar suas terras. 

Por tudo isso, muitos líderes indígenas olham com uma mistura de esperança e preocupação a meta global mais recente, conhecida como 30×30, liderada pelo Reino Unido, Costa Rica e França. 

Alguns querem um objetivo mais ambicioso, de mais de 50%, segundo a organização de Díaz Mirabal, enquanto outros temem que sejam novamente expulsos em nome da conservação.

Defender a terra e proteger florestas

Na Amazônia brasileira, Awapu Uru Eu Wau Wau arrisca sua vida para proteger a riqueza de suas terras ancestrais: onças, macacos ameaçados de extinção e nascentes naturais de onde fluem 17 grandes rios. Seu povo, os índios Uru Eu Wau Wau, têm direitos legais sobre a terra, mas devem defendê-la implacavelmente de intrusos armados.

Um pouco além da fronteira de seu território de pouco mais de 18.000 quilômetros quadrados, fazendeiros e produtores de soja destruíram grande parte da floresta. Suas terras estão entre as últimas extensões protegidas de floresta remanescentes no estado brasileiro de Rondônia e os madeireiros ilegais frequentemente invadem seu território.

Awapu Uru, que usa o nome de sua comunidade como sobrenome, patrulha a floresta carregando flechas com pontas envenenadas. Outros membros de sua comunidade vigiam com drones, equipamentos de GPS e câmeras de vídeo. 

Ele traz seus filhos, de 11 e 13 anos, para aprender como defender sua terra nos próximos anos. “Ninguém sabe o que vai acontecer conosco e eu não vou viver para sempre”, diz Awapu Uru. “Precisamos preparar nossos filhos para cuidar das coisas.”

O risco é imenso. Seu primo, Ari, foi morto em abril passado. É uma das vítimas de um padrão chocante observado entre os defensores da terra em toda a Amazônia. 

Em 2019, ano mais recente para o qual há dados disponíveis, pelo menos 46 pessoas foram mortas nesses conflitos na América Latina. Muitos eram indígenas.

O colapso da natureza

Os seres humanos lançaram um ataque à natureza na ânsia de semear alimentos, cultivar lenha e cavar minerais. Eles devoram a terra e, não se contentando com isso, também pescam nos oceanos. Para piorar as coisas, a queima de combustíveis fósseis está aquecendo o planeta, dificultando a sobrevivência de plantas e animais.

Alguns estudiosos afirmam que os responsáveis ​​são as mesmas forças históricas que extraíram recursos naturais por centenas de anos, às custas dos povos indígenas. “O que vemos agora com o colapso da biodiversidade e da mudança climática é o estágio final dos efeitos do colonialismo”, explica Paige West, antropóloga da Universidade de Columbia.

Já existe um consenso geral sobre a urgência de reverter a perda de biodiversidade, importante não só para a segurança alimentar e estabilidade do clima, mas também para reduzir o risco de contágio de novas doenças de animais silvestres, como o coronavírus.

30×30

Veio daí o acordo 30×30. A meta de proteger pelo menos 30% das terras e águas do planeta, que há muito defendem os ambientalistas, agora se junta a uma coalizão de países. 

Ele fará parte das negociações diplomáticas convocadas neste outono em Kunming, na China, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade. Os Estados Unidos são o único país, além do Vaticano, que não aderiu ao acordo, embora o presidente Joe Biden tenha ordenado um plano para proteger 30% das terras e águas americanas.

As comunidades indígenas não foram reconhecidas como parte do acordo internacional. Eles podem assistir às conversas como observadores, mas não poderão votar nos resultados. Porém, na prática, será impossível atingir a meta sem o seu apoio.

Uma coalizão de grupos indígenas e comunidades locais insiste que o acordo proteja pelo menos metade do planeta. Seu pedido é amparado pela ciência, pois várias investigações revelaram que reservar um terço do planeta não será suficiente para conservar a biodiversidade e capturar o dióxido de carbono, responsável pelo aquecimento do planeta, de forma que possamos desacelerar o aquecimento global.

Um novo tipo de parque

Meio século atrás, onde a floresta boreal encontra a tundra nos territórios do noroeste do Canadá, o łutsël k’é ‘dene, um dos grupos indígenas da área, se opôs aos esforços do governo para criar um parque nacional em seu território e arredores. “Naquela época, as políticas de parques nacionais do Canadá eram muito negativas para os modos de vida indígenas”, disse Steven Nitah, um ex-chefe tribal. “Eles costumavam criar parques nacionais – parques fortalezas, como eu chamo – e expulsavam as pessoas.”

Mas na década de 1990, o łutsël k’é ‘dene enfrentou uma nova ameaça: diamantes foram encontrados nas proximidades. Eles temiam que suas terras fossem arrasadas por mineradoras. Então, eles mais uma vez levaram ao governo canadense a ideia de um parque nacional que iria consagrar sua gestão de terras, caça e direitos de pesca. “Para proteger o coração de nossa pátria das atividades industriais, é isso que usamos”, disse Nitah, que foi o principal negociador de seu povo com o governo canadense.

O parque foi inaugurado em 2019. Seu nome, Thaidene Nëné, significa “Terra dos Ancestrais”.

A colaboração entre conservacionistas, nações indígenas e governos é a chave para proteger a biodiversidade, de acordo com a pesquisa. Sem apoio local, a criação de áreas protegidas pode ser inútil. Muitas vezes não conseguem conservar animais e plantas, tornando-se os chamados ” parques de papel “.

Envolver comunidades

Os pesquisadores descobriram que, em geral, as medidas para proteger a biodiversidade têm melhores resultados se as comunidades locais estiverem envolvidas.

Em algumas ilhas de Papua-Nova Guiné, por exemplo, onde o peixe é um alimento básico, os recursos haviam se esgotado nas últimas décadas. Os pescadores afastaram-se cada vez mais da costa e passaram mais tempo no mar, mas voltavam com menos espécimes. 

Então, eles decidiram colaborar com grupos sem fins lucrativos locais e internacionais para tentar novas estratégias. Eles trocaram suas redes por outras que permitiriam que peixes menores escapassem e reduziram o uso de um veneno que traz peixes à superfície. A mudança crucial foi que eles decidiram fechar certas áreas inteiramente à pesca.

Meksen Darius, chefe de um dos clãs que utiliza essas medidas, afirma que as pessoas estavam abertas à ideia porque esperavam que melhorassem seus meios de subsistência. E assim foi. “O volume, os tipos de peixes e outras formas de vida marinha se multiplicaram”, conta Darius, um advogado aposentado.

Pesquisas recentes em todo o mundo mostram que ter áreas marinhas protegidas leva a um aumento nas populações de peixes, o que por sua vez permite que as comunidades pesqueiras capturem mais peixes nas margens das reservas.

Iliana Monterroso, ambientalista do Centro Internacional de Pesquisas Florestais de Lima, Peru, acredita que o importante é que as pessoas que vivem em regiões de grande biodiversidade tenham o direito de manejar essas áreas. 

Ela citou o exemplo da Reserva da Biosfera Maia, que cobre uma área de mais de 21.000 quilômetros quadrados na Guatemala, onde comunidades locais manejam a floresta há 30 anos.

Sob contratos temporários com o governo nacional, eles começaram a cultivar quantidades limitadas de madeira e pimenta da Jamaica, vender palmeiras ornamentais e operar agências de turismo. Tiveram que proteger seu investimento. “A floresta passou a ser sua fonte de renda”, explica Monterroso. “Eles conseguiram obter benefícios tangíveis.”

Jaguares, macacos-aranha e 535 espécies de borboletas prosperam ali. Também o caititu, parente do porco que tende a desaparecer rapidamente se houver perigo de ser caçado. Florestas administradas pela comunidade sofrem menos incêndios e sua taxa de desmatamento é muito próxima de zero, segundo os pesquisadores.

Erwin Maas é um das centenas de guatemaltecos que também vivem lá. Junto com seus vizinhos, ele opera uma empresa de propriedade da comunidade na cidade de Uaxactún. 

O mogno é abundante, mas eles só podem explorar uma quantidade limitada. Em geral, uma ou duas árvores por hectare a cada ano, observou Maas. 

Eles não tocam nas árvores que produzem sementes. “Nossa meta é ganhar a vida com uma pequena quantia e sempre cuidar da floresta”, afirma.

Esse conteúdo foi publicado originalmente em: The New York Times

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