A infraestrutura de saneamento, que é composta de equipamentos que vão desde as redes de banheiros, passando pelos sistemas de canos e chega até às estações de tratamento de esgoto, já foi reconhecida como o marco médico mais importante desde 1840, de acordo com pesquisa feita com os leitores da British Medical Journal em 2007. No entanto, esses sistemas municipais de esgoto, que trouxeram inegáveis ganhos de saúde para a população desde a Inglaterra vitoriana, podem ser considerados hoje defasados e despreparados para os desafios do século 21, alerta em artigo para a Bloomberg CityLab a escritora Chelsea Wald.
Segundo a autora, fluxos de água mais fortes nos banheiros são fundamentais para o funcionamento dos sistemas de esgoto antigos, mas isso esbarra nos esforços atuais para a redução do desperdício. Entre as tentativas de ajustar esse modelo estão a substituição de banheiros antigos e ineficientes por novas tecnologias de baixo fluxo. Segundo cálculos da Agência de Proteção Ambiental norte-americana, uma residência pode reduzir o uso de água em cerca de 13.000 galões por ano se forem adotadas essas inovações. Ao mesmo tempo, algumas cidades já possuem estratégias para tratar seus esgotos com produtos químicos e assim reduzir os odores.
A poluição do mundo moderno também é uma mudança a ser considerada. Dentro dos esgotos, o lixo dos tempos atuais, como lenços umedecidos, se mistura com os óleos e gorduras da alimentação fast-food e formam “monstruosos barris” que bloqueiam os canos. Para complicar, muitos sistemas de esgoto mais antigos adicionam água da chuva à essa mistura porque os planejadores do passado optaram por um duto único por razões econômicas. E também porque a água da chuva ajudava antigamente a enxaguar a sujeira que entrava nos canos.
Estações de tratamento
Segundo Chelsea Wald, até mesmo as estações de tratamento de águas e resíduos estão mal equipadas para são eliminar alguns dos produtos químicos domésticos e industriais de hoje porque foram baseadas em uma tecnologia desenvolvida no início do século 20. O que sai dessas estações, seja líquido ou sólido, muitas vezes flui para cursos de água e se espalha para os campos. Em muitos casos, essas estações facilitam que os esgotos transbordem durante períodos de chuvas fortes para que o excesso de água não sobrecarregue os processos da usina. Durante esses eventos, resíduos como absorventes íntimos e preservativos flutuam para os cursos d’água junto com fezes e patógenos.
Poucas cidades conseguem adicionar estágios de tratamento para remover esses poluentes por uma questão de custos elevados. Enquanto isso, as mudanças climáticas acrescentam desafios à vulnerabilidade desses sistemas. Em 2017, por exemplo, uma estação de tratamento de quase 60 anos na Flórida derramou 10,5 milhões de galões de esgoto na lagoa do rio Indian durante o furacão Irma. A solução apresentada foi mover a planta para o interior e a estimativa é de custo de US$ 156 milhões, em seis anos. Também é importante citar que os próprios sistemas também podem contribuir para as mudanças climáticas, liberando gases de efeito estufa e usando grandes quantidades de energia, pois bombeiam ar constantemente pelo esgoto. Nos EUA, as concessionárias de água e esgoto podem responder por até 40% do orçamento de energia de um município.
A autora alerta que até mesmo localidades onde foram instaladas estações de tratamento de esgoto sofrem com problemas de gestão. Muitas cidades de renda mais baixa instalaram estações convencionais apenas para vê-las falhar em poucos anos, devido à falta de financiamento operacional, suprimentos, experiência ou fornecimento consistente de energia. Um estudo de 2019 da WaterAid descobriu que 95% das estações de tratamento de águas residuais estudadas no México e 80% em Gana não estavam funcionando. Na Índia, mais da metade estava operando mal ou muito mal.
Busca por inovações
Soluções inovadoras estão sendo pesquisadas, embora muitas vezes sem apoio político. Entre essas ideias estão diferentes tipos de esgotamento que podem funcionar com muito menos água, usando pressão ou aspiradores. Há estudos também de versões simplificadas de esgotos por gravidade, que podem ser mais estreitas e enterradas em menor profundamente, tornando-as mais fáceis e baratas de instalar.
Onde os esgotos não são viáveis, conceitos envolvendo sistemas baseados em contêineres que fazem compostagem de dejetos humanos em fertilizantes já provaram ser eficazes em lugares como o Haiti. Tanques e fossos subterrâneos também podem ser uma opção segura e sustentável; incorporar serviços ao modelo é fundamental, pois um número desconhecido de fossas sépticas nos EUA está falhando por causa da idade ou falta de manutenção, trazendo poluição por patógenos e nutrientes.
Até mesmo os banheiros são o foco de outras melhorias técnicas. Novos designs conseguem separar perfeitamente a urina para que ela possa ser mais facilmente transformada em fertilizantes ou outros produtos, como desinfetantes. As fezes também podem ser mais facilmente compostadas e transformadas em briquetes para fornos, ou servir de ração para peixes e aves.
A infraestrutura de esgoto convencional existente também pode se tornar mais sustentável reutilizando águas residuais tratadas e extraindo energia, nutrientes e matérias-primas do esgoto de formas bem estabelecidas, mas subutilizadas, como digestão anaeróbica. Em Vancouver, no Canadá, um distrito há anos usa bombas para recuperar o calor do esgoto não tratado, ajudando a cidade a reduzir as emissões de gases de efeito estufa. E uma estação de tratamento de águas residuais naquela cidade em breve irá testar uma tecnologia que transformará o lodo – o resíduo sólido do processo de tratamento – em um combustível de baixo carbono.
Conteúdo publicado originalmente em: Bloomberg